O ato vinculado praticado pela Administração Pública e o exercício da autotutela
Os atos administrativos são conhecidos como aqueles pelos quais a Administração Pública exterioriza a sua vontade, produzindo efeitos jurídicos imediatos, impondo ou modificando direitos e obrigações.
Consoante o princípio da legalidade, a lei pode estipular a atuação do agente público de forma objetiva (ato vinculado) ou conferir uma possibilidade de escolha (exercício de ato discricionário), dentro dos limites previstos legalmente.
A respeito do ato vinculado, a doutrina majoritária entende ser aquele que estabelece um único comportamento possível a ser tomado pela Administração Pública diante de casos concretos, sem nenhuma liberdade para juízo de conveniência e oportunidade.
Diante do Poder de Polícia da Administração Pública, é comum, na vida cotidiana, a necessidade de requerimentos para o exercício de algum direito, como por exemplo a expedição de alvará de construção, para alterações de fachada e licença de funcionamento de estabelecimento.
Nestes casos, realizado o devido processo administrativo, respeitada a ampla defesa e contraditório, preenchidos os requisitos objetivamente definidos no texto legal, o ato administrativo é concedido ao cidadão/empresa.
Ocorre que, passado um tempo, esse cidadão/empresa (detentor do alvará, licença), mesmo cumprindo todas as exigências previstas, é surpreendido com decisões administrativas posteriores, sem a instauração do devido processo administrativo, com a informação de que o ato vinculado teria sido “revisto”, “revogado”, causando muitas vezes dano financeiro ao administrado diante de investimentos realizados.
Na maioria das vezes, esta comunicação vem com o incorreto fundamento do “exercício da autotutela” e nas Súmulas 346 e 473 do STF, sem qualquer justificativa de interesse público superveniente. Não se está aqui a negar o exercício da autotutela da Administração de rever seus atos. Porém, esta revisão encontra limite no ato vinculado (editado na conformidade de requisitos e condições prefixados na norma), não se podendo falar em revisão/revogação, uma vez que inexiste, nestes casos, juízo de conveniência e oportunidade.
A Administração não pode simplesmente adotar comportamento contraditório (venire contra factum proprium), substituindo uma decisão por outra, alterando relações fáticas constituídas, sem o devido processo administrativo e respeito a ampla defesa e contraditório, causando destruição da esperança do administrado na permanência da situação jurídica vigente durante um determinado período.
Nestes casos, portanto, deve o cidadão/empresa, combater o ato administrativo ilícito e buscar o reconhecimento da validade do ato vinculado de concessão do alvará/licença, perante o Poder Judiciário (art. 5º XXXV da CF), via Mandado de Segurança ou através da respectiva Ação Ordinária, pois, preenchidos os requisitos legais, o ato vinculado deve prevalecer sobre a conduta discricionária da Administração Pública, sendo certo que não pode ser sumariamente invalidado, sem qualquer justificativa de interesse público superveniente.