Artigo: Controle de Constitucionalidade: breves considerações
“Judicial review é apenas um instrumento nas mãos de humanos, e humanos, naturalmente, não são deuses.” Mauro Cappelletti, 1978.
Neste introito, faz-se necessário rememorar a ideia da separação dos poderes proposta por Montesquieu, em que se divide o poder político em Executivo, Legislativo e Judiciário. Com esse cenário, tem-se que cada um dos poderes exerce a função que lhe cabe e, em que pese exerçam funções atípicas em determinadas hipóteses, a ideia da separação implica justamente em não haver usurpação entre os poderes, em especial porque a divisão, dentre outras funções, serve como limite para arbitrariedades.
Contudo, na sociedade moderna em que a complexidade das relações se mostra em ordem crescente, clama-se pela necessidade de algumas considerações e, nesta breve reflexão, volta-se os olhos para o atual contexto do controle de constitucionalidade das leis emanadas pelo Poder Legislativo, controle que é feito, no Brasil, pelo Poder Judiciário.
Historicamente o fenômeno do judicial review (controle de constitucionalidade) surge como necessidade para a proteção dos direitos mais comezinhos, isto é, que se impossibilite o surgimento de leis que contrariem valores fundamentais considerados universalmente aceitos.
Como instituto, o controle de constitucionalidade aparece pela primeira vez no caso norte-americano Marbury versus Madison, em 1803. Nesse contexto, houve outro movimento de importância fundamental, no qual a Constituição norte-americana de 1787 fomentou a concepção da supremacia da Constituição em relação a leis ordinárias, o que implicou no poder-dever dos juízes de negar aplicação de leis contrárias à Constituição.
No entanto, esse movimento teve suas primeiras fagulhas ainda em Atenas, em que um procedimento de revisão de leis era extremamente complexo e a mudança de uma lei já existente era considerada de extraordinária gravidade, até mesmo com responsabilização do proponente, desta forma, fazia-se necessário respeitar aos preceitos fundamentais.
Nesse mesmo sentido, na Idade Média, o conceito de direito e justiça estava intrinsicamente conectada com a doutrina filosófica, em especial a ideia de jus naturale, em que haveria uma norma superior, decorrente da própria natureza humana e que serviria para inspirar as normas de natureza inferior, isto é, aquelas criadas pelo homem (jus positum).
Posteriormente, na Inglaterra, com a formação de colônias mercantilistas, produziam-se normas locais, as quais não poderiam entrar em contraste com as leis do Reino. Foi este fenômeno, portanto, que inspirou o movimento norte-americano que, a partir 1776, com a proclamação de independência, promoveu-se a substituição das velhas Cartas pelas novas Constituições, as quais traziam Leis Fundamentais para novos Estados independentes.
Perpassada pela parte histórica e voltando para o Brasil, atualmente vê-se duas possibilidades do Controle de Constitucionalidade. O primeiro é o sistema difuso, em que o poder de controle pertence a todos os órgãos judiciários, que o exercem incidentalmente no caso concreto, isto é, aplica-se o fenômeno do controle pelo próprio juiz no caso em apreço. O segundo é o sistema concentrado, no qual o próprio nome já explica, é um controle exercido de forma concentrada por um órgão único e que vincula a aplicação da decisão pelos demais órgãos (erga omnes), no Brasil este órgão – de controle concentrado – é o Supremo Tribunal Federal (STF).
Visto isso, há na sociedade moderna muitos anseios a serem preenchidos e com uma dicotomia muito grande em que, por vezes, há a necessidade de se deliberar por uma ou por outra, mas o respeito aos ditames constitucionais é sempre necessário e imprescindível, cabendo ao STF realizar este controle e verificar se, na prática, não há ofensa aos princípios da Carta Magna.
No entanto, há uma problemática, afinal, quais são os limites do STF ao interferir em leis que foram feitas pelo próprio Poder Legislativo, veja-se, é neste que estão aqueles legitimamente eleitos pelo povo e, nos termos da Constituição Federal de 1988, “Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição.”
Destarte, não há que se posicionar contra ou a favor deste controle feito pelo Judiciário, mas sim estimular o debate sobre a linha tênue existente entre o controle de constitucionalidade e a ideia de ativismo judicial – tema para outro artigo.
Caro leitor, cara leitora, repiso, não tive a pretensão de trazer respostas (nem mesmo poderia), mas sim tentar compreender o fenômeno e porque ele ocorre, bem como sua justificação histórica, para, ao final, deixa-lo(a) instigado(a) a refletir comigo, aqui e no futuro, em busca de um ideal que não existe, mas que pode ser melhor que ontem, melhor que hoje e melhor ainda amanhã.