Ana Carolina Clève sobre as Candidaturas Avulsas para a Gazeta do Povo: “à luz do Texto Constitucional, sou a favor do fortalecimento dos partidos políticos”.
Em entrevista para a Gazeta do Povo do dia 21 de outubro de 2017, a Dr. Ana Carolina Clève sustentou tem “dificuldade em enxergar reflexos positivos, sobretudo quando essa medida é pensada justamente nesse cenário de descrédito na política e de deslegitimação dos atores. Abre-se uma oportunidade perigosa para pretensos ‘heróis’ e extremistas. Além disso, se, em razão da elevada fragmentação partidária, nossa governabilidade já funciona a custos altos, imagina o quanto a possibilidade de candidatura avulsa não dificultaria o funcionamento do Parlamento”, argumenta.
Veja a entrevista na íntegra:
A crise política sem precedentes que o Brasil vivencia traz uma série de consequências para a classe política e para a democracia. O brasileiro está cada vez mais descrente de que as instituições políticas são capazes de resolver a crise. Pesquisas de opinião têm revelado que o brasileiro não está satisfeito com nenhum dos atuais pré-candidatos à Presidência da República: a maioria quer um candidato “novo”, um “outsider” e todos os nomes colocados até aqui têm um nível de rejeição na casa dos 50%, pelo menos.
É nesse contexto que o Supremo Tribunal Federal (STF) vai decidir se alguém pode lançar uma candidatura avulsa, sem estar filiado a um partido político. A Constituição Federal diz que não, mas em seu parecer sobre o caso, a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, adiantou ser a favor dessa possibilidade.
Em julho, a Rede Sustentabilidade apresentou uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) para a criação de “candidaturas cívicas”. A PEC abria espaço para a apresentação de candidaturas a cargo eletivo sem a obrigatoriedade de filiação partidária, desde que houvesse o apoio mínimo de eleitores. Mas a proposta não avançou e o que ocorreu foi um movimento inverso. Sentindo o risco que isso representava para as siglas tradicionais, o Congresso incluiu na reforma política aprovada recentemente um artigo vedando candidaturas sem partido.
Agora, o Supremo vai decidir se é constitucional alguém poder disputar cargos eletivos sem filiação partidária. O caso chegou ao STF devido a um recurso do advogado Rodrigo Mezzomo, que tentou se candidatar de forma independente para a prefeitura do Rio de Janeiro no ano passado, mas foi impedido pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE)
Candidaturas avulsas no mundo
O Brasil faz parte de um grupo restrito de países que não permite candidaturas independentes para nenhum cargo. De acordo com dados do ACE Electoral Knowledge Network, apenas 9% das nações do mundo não permitem candidaturas avulsas em nenhuma hipótese. Entre eles, Suécia, Mônaco, Argentina, Uruguai, África do Sul e Israel, entre outros, num total de 21 países nessa lista.
O mesmo levantamento mostra que 29 países permitem candidaturas avulsas apenas para a Presidência da República, 85 permitem que candidatos sem partidos concorram a cargos legislativos e outros 82 permitem a candidatura avulsa em ambos os casos.
O caso mais recente de candidato sem partido que obteve sucesso nas urnas foi do presidente da França, Emmanuel Macron. Ele recebeu apoio do movimento Em Marcha, iniciado no país há cerca de um ano. Atualmente, o Em Marcha tem mais de 200 mil inscritos – a filiação não tem custo e não exige a saída de outros partidos políticos.
Crise dos partidos
No Brasil, os partidos políticos nunca estiveram tão em baixa. Os recorrentes escândalos de corrupção que poupam poucas legendas têm levado os partidos ao descrédito com a população.
A última pesquisa Datafolha** que mediu o grau de confiança do brasileiro nas instituições mostra que apenas 2% dos entrevistados confiam muito nos partidos políticos. Outros 28% disseram que confiam um pouco e 69% afirmaram não confiar. O índice de desconfiança é o maior desde 2012, segundo o levantamento. A pesquisa mostrou, por exemplo, que o brasileiro confia mais nas Forças Armadas (83%, no total), do que nos partidos políticos (30%), no Congresso Nacional (34%) e na Presidência da República (34%).
Isso explica, por exemplo, porque a taxa de apoio à democracia recuou no país. Em 2014, 66% dos brasileiros apoiavam a democracia. O índice caiu para 62% em 2016 e para 56% na última pesquisa, realizada no início de outubro pelo Datafolha***. Para 21% dos entrevistados, tanto faz se o governo é uma democracia ou uma ditadura, e para 17%, em certas circunstâncias é melhor uma ditadura do que uma democracia.
Além disso, o levantamento realizado no início de outubro pelo Instituto Paraná Pesquisas **** mostrou que 70% dos eleitores não veem diferença entre PT e PSDB – partidos que, supostamente, encontram-se em campos ideológicos opostos.
A solução para a crise de representatividade do eleitor seria a autorização para candidaturas avulsas? Raquel Dodge se manifestou favorável à medida em seu parecer para o julgamento no STF. A procuradora-geral usou como argumento o Pacto de São José da Costa Rica, promulgado no Brasil em 1992. A norma garante a todo cidadão o direito de votar e ser votado e veda qualquer restrição a essa capacidade eleitoral por motivos diversos dos estabelecidos na própria convenção, entre os quais não se inclui a filiação partidária.
“Os partidos representados no Congresso Nacional abriram mão, validamente, da função de organizações intermediárias exclusivas entre governantes e governados, ao terem aprovado o Pacto de São José”, disse Dodge em seu parecer.
Entre os argumentos favoráveis à permissão de candidaturas avulsas está o da oxigenação na política e a possibilidade do surgimento de novas lideranças, que acabam sendo abafadas nas estruturas partidárias atuais. Por outro lado, permitir candidaturas avulsas pode acabar privilegiando quem já está na política e quem tem mais condições de bancar uma campanha, por exemplo.
Especialistas ouvidos pela Gazeta do Povo divergem sobre a questão. A professora de Direito Eleitoral no Unibrasil, Ana Carolina Clève, diz ser uma defensora dos partidos. “Tenho dificuldade em enxergar reflexos positivos, sobretudo quando essa medida é pensada justamente nesse cenário de descrédito na política e de deslegitimação dos atores”, explica.
“Abre-se uma oportunidade perigosa para pretensos ‘heróis’ e extremistas. Além disso, se, em razão da elevada fragmentação partidária, nossa governabilidade já funciona a custos altos, imagina o quanto a possibilidade de candidatura avulsa não dificultaria o funcionamento do Parlamento”, argumenta.
Ambiente interno das siglas é pouco democrático
Para o cientista político da PUC-PR, Másimo Della Justina, a autorização de candidaturas avulsas poderia ter um efeito pedagógico para as legendas atuais. “Mais do que a eleição avulsa trazer alguém que a gente pudesse se orgulhar depois, é mais uma questão pedagógica para os próprios partidos aprenderem a ser democráticos”, diz.
Justina defende a candidatura avulsa com base na falta de democracia interna nos partidos políticos, que em muitos casos abafam novas lideranças. “Na verdade eu acho que dentro do cenário atual é uma boa ideia porque os partidos políticos cometem uma falha muito grande que é não ter eleições prévias e internas”, argumenta.
Clève concorda que falta democracia dentro das legendas, mas não acredita que enfraquecer os partidos seja a solução ideal para resolver o problema. “O regime constitucional brasileiro destacou a posição desses atores, optando, no meu entender, por uma ‘democracia partidária’. Assim, à luz do Texto Constitucional, sou a favor do fortalecimento dos partidos políticos e da implementação de mecanismos que assegurem a democracia internamente. Isso porque, com a garantia de maior democracia interna, certamente outras lideranças se viabilizariam”, completa.
A professora do Unibrasil argumenta, ainda, que candidaturas avulsas podem não gerar a esperada oxigenação na política, uma vez que candidatos com maior poder aquisitivo seriam beneficiados em tempos de campanha. “De fato, caso as candidatura avulsas fossem permitidas, levando em conta um cenário de possibilidade de autofinanciamento (até o limite de gastos) e de vedação de doação por pessoa jurídica, os candidatos independentes detentores de maior poder aquisitivo sairiam na frente. Sou resistente a ideia de que essa mudança poderia influenciar positivamente. Pelo contrário: a princípio, penso que a ausência de compromisso programático – coletivo – é um ponto negativo”, argumenta.
“Nós não teríamos uma novidade de práticas que já acontecem dentro das estruturas partidárias, onde pessoas dotadas de seu poderio econômico e de imagem acabam alugando um partido só para legalizar a prática”, rebate Justina.
** Nesse levantamento, nos dias 21, 22 e 23 de junho de 2017, foram realizadas 2.771 entrevistas em 194 municípios brasileiros. A margem de erro da pesquisa é de 2 pontos percentuais para mais ou para menos considerando um nível de confiança de 95%.
*** Nesse levantamento, nos dias 27 e 28 de setembro de 2017, foram realizadas 2.772 entrevistas presenciais em 194 municípios brasileiros. A margem de erro da pesquisa é de 2 pontos percentuais para mais ou para menos considerando um nível de confiança de 95%.
**** A pesquisa foi realizada através de questionários online, respondidos por 2.222 brasileiros de 26 estados e do Distrito Federal. O levantamento foi realizado entre os dias 2 e 5 de outubro de 2017. A margem de erro é de 2%, para mais ou para menos, e o grau de confiança é de 95%.
Fonte: Gazeta do Povo