A irretroatividade de nova orientação administrativa, efeitos prospectivos e segurança jurídica
A Administração Pública pode, a qualquer tempo, rever seus atos. Deve anulá-los, quando eivados de vícios de legalidade, e revogá-los por motivo de conveniência e oportunidade, no âmbito da chamada discricionariedade administrativa.
Também é certo que a Administração Pública não está presa pelos entendimentos prévios sobre um determinado assunto e impedida de mudar seu padrão de agir. Assim, não se nega a possibilidade de mutação interpretativa administrativa e o rompimento com o status anterior. Porém, diante da mudança, há um valor especial que a Administração Pública também deve proteger, a boa-fé e a confiança do administrado nas normas e interpretações anteriores.
Do ponto de vista do administrado, a confiança legítima o protege contra mudanças de comportamentos repentinos e o desfazimento de ato administrativo desarrazoado, que leva à perda de expectativas, causando destruição da esperança na permanência da situação jurídica vigente durante um determinado período.
O alinhamento de interpretações administrativas, veiculadas em decisões, consubstanciam os chamados “precedentes” aptos a definir limites de discricionariedade e até mesmo especificar qual sentido vinculará as partes em face de determinado ordenamento, sem margem de liberdade para escolha de conveniência e oportunidade.
Assim, os precedentes administrativos acabam complementando a previsibilidade que se espera da Administração Pública, gerando legítima expectativa ao administrado de que os precedentes não variarão sem justificativa plausível e que, assim, podem realizar seus atos de acordo com as diretrizes já fixadas.
Nesse sentido, por exemplo, pode-se considerar como precedentes administrativos os acórdãos e orientações vinculantes do Tribunal de Contas da União, proferidos no exercício de sua competência constitucional, autovinculando a Administração e condicionando suas atuações futuras, exigindo desta o mesmo posicionamento em casos análogos.
Não se ignora a possibilidade de mudança de orientação administrativa com efeito prospectivo (prospective overruling). No entanto, a alteração de precedentes administrativos, que atingem inúmeras pessoas em determinado período, precisa ser compatibilizada com outros princípios do Estado Democrático de Direito, diante da praxe administrativa originária.
Ademais, a interpretação retroativa vai de encontro ao previsto no art. 24 da LINDB, verdadeiro vetor para aferição da validade dos atos administrativos. Ou seja, referida regra impede que seja decretada a invalidade de deliberação administrativa que tenha sido tomada com base na interpretação geral vigente à época da produção do ato.
Vale destacar, também, o previsto no art. 2º, XIII da Lei 9.784/99, dispositivo aplicável subsidiariamente aos processos administrativos regidos por legislação especial: “interpretação da norma administrativa da forma que melhor garanta o atendimento do fim público a que se dirige, vedada aplicação retroativa de nova interpretação.”
Portanto, a alteração do precedente administrativo e aplicação de novo entendimento, de forma retroativa, com mudança sedimentada há anos, sem que tenha ocorrido qualquer alteração legislativa para justificar a alteração, afronta os princípios da segurança jurídica, boa-fé, proteção da confiança, direito adquirido e irretroatividade. Assim, a ratio decicendi substituída continua a ser emblemática, com precedente vinculante, aos fatos anteriormente ocorridos.