Ana Carolina Clève publica artigo na Gazeta do Povo
A advogada Ana Carolina de Camargo Clève, sócia do escritório, publicou um artigo em apoio ao professor Conrado Hübner Mendes. “As Universidades são instituições centrais para o aperfeiçoamento democrático. A história mostra que não há democracia sem Instituições de Ensino livres. Mais que isso: não há democracia se aos membros da comunidade acadêmica não for assegurada — efetiva — liberdade para a exposição de pensamentos, ideias e críticas”, afirma a autora. Confira na íntegra:
As Universidades são instituições centrais para o aperfeiçoamento democrático. A história mostra que não há democracia sem Instituições de Ensino livres. Mais que isso: não há democracia se aos membros da comunidade acadêmica não for assegurada – efetiva – liberdade para a exposição de pensamentos, ideias e críticas. Não à toa, as Universidades são os primeiros alvos de censura em períodos ditatoriais e, em projetos autocráticos, o seu enfraquecimento (envolvendo ações que se estendem aos membros da comunidade acadêmica), integra uma estratégia política de dominação. É bem por isso que, nas democracias formais, as investidas contra as universidades – e contra seus professores/pesquisadores – mediante a utilização das instâncias de poder sinalizam para o temerário contexto de erosão democrática. Aqui, a vigilância daqueles comprometidos com os valores democráticos e republicamos reclama maior sensibilidade. Um fato é certo: a liberdade tem uma relação estrutural com a democracia.
A notícia é triste, mas, para aqueles que ainda não perceberam, não é de hoje que o Brasil é vítima de ofensivas contra as liberdades; contra as Instituições; contra a Imprensa; contra as vozes capazes de dar eco a necessárias críticas e reflexões. Diversos são os episódios a ilustrar essa conjuntura. Neste momento, escrevo para chamar a atenção para um único episódio – e aproveito a ocasião para, desde logo, registar minha solidariedade e admiração pelo Professor Conrado Hübner Mendes, da Universidade de São Paulo (USP).
Na última semana, diversos veículos de comunicação noticiaram que o Procurador-Geral da República, Augusto Aras, protocolou Representação contra o Professor Conrado Hübner Mendes junto à Universidade de São Paulo. O documento, dirigido ao Reitor da Universidade, afirma que as manifestações do Professor – tanto na sua rede social (Twitter) quanto em sua coluna na Folha de S. Paulo – ultrapassaram a crítica ácida ao atacar a honra do Representante. Justifica a Representação perante a Universidade de São Paulo na medida em que o Representado sempre está a se identificar como Professor de Direito da USP; por isso, pede que a Representação seja submetida à Comissão de Ética da mencionada Universidade para fins de apuração de suas condutas. Na Representação, o PGR questiona, por exemplo, referências à sua pessoa por meio das expressões “Poste-Geral da República” e “servo do Presidente” e, ainda, pela opinião de que ele – o PGR – estaria se omitindo na apuração da responsabilidade do Governo Federal em relação à – desastrosa – condução da crise pandêmica.
Não é preciso dizer que a Representação foi objeto de bastante perplexidade no meio jurídico e jornalístico. Arrisco indicar as principais razões do estranhamento: (i) há consenso no sentido de que a liberdade de expressão exerce posição de preferência no sistema constitucional brasileiro (o que a doutrina estadunidense costuma denominar como “preferred position”); (ii) em atenção ao interesse público, ainda que as manifestações sejam contundentes, ácidas e incômodas, tem-se que figuras públicas devem estar sob maior escrutínio da crítica; (iii) se é certo que a educação é peça-chave para o desenvolvimento democrático, não menos certo é o fato de que as Universidades – e, por consequência, os membros da comunidade acadêmica – devem ter liberdade para expor ideias e fomentar o debate crítico; e, (iv) como bem alertou o Professor Ricardo Marcelo, Reitor da Universidade Federal do Paraná, causa ainda mais estranhamento o fato de a tentativa de cerceamento da liberdade partir da maior autoridade do Ministério Público Federal, “instituição que mais deveria custodiar a liberdade”.
As razões acima revelam o delicado momento pelo qual atravessa a Democracia brasileira. Vale lembrar que o Professor Conrado Hübner Mendes, cuja trajetória acadêmica é irretocável, exerce relevante papel social por meio de suas – ativas – exposições e manifestações. Não por acaso, conta com quase 60 mil seguidores no Twitter. E sabem o que faz das suas manifestações ainda mais interessantes e objeto de curiosidade? O excesso de legitimidade na fala de alguém que, para além de ter um currículo exemplar (o qual mostra domínio nos campos do Direito e da Ciência Política), escolheu o Magistério e a Pesquisa como carreira. Não há amarras para a livre exposição do pensamento; não há eventuais interesses institucionais ou outros que possam permear – e aí deslegitimar – a crítica feita. Fiquemos atentos em quem está na mira. Fiquemos atentos às mensagens que vêm no pacote das investidas contra a Academia e contra os principais críticos daqueles que flertam – ou se sentem confortáveis – com projetos autoritários. Afinal, se a liberdade significa alguma coisa, será sobretudo o direito de dizer às outras pessoas o que elas não querem ouvir (George Orwell).
Por fim, como disse o Professor Conrado Hübner Mendes em seu Twitter: “a Universidade Pública, patrimônio democrático que é, está sob ataque por muitas frentes. Quando acabar a liberdade ali, acabou!”