(In)segurança jurídica no processo jurisdicional eleitoral: necessidade de maior coerência jurisprudencial em respeito ao artigo 926 do CPC
Não é segredo que, ao processo eleitoral, aplicam-se supletiva e subsidiariamente as disposições do processo civil, nos exatos termos do artigo 15 do CPC. Também não é segredo que a alteração legislativa ocasionada pelo CPC de 2015 revelou a importância da observância aos precedentes judiciais e, principalmente, a necessidade de uniformização da jurisprudência.
Essa necessidade é extraída da disposição do artigo 926 do CPC, que prevê que “Os tribunais devem uniformizar sua jurisprudência e mantê-la estável, íntegra e coerente”. Ou seja, também no âmbito do direito eleitoral, as decisões devem guardar obediência ao entendimento anteriormente firmado, justamente para cumprir a finalidade da norma processual: conferir maior estabilidade, integralidade e coerência à jurisprudência – o que, por certo, garante segurança jurídica a todos os atores envolvidos no processo.
No entanto, não é isso o que tem se visto na prática eleitoralista, onde, ao revés do que dispõe o CPC, é comum que os Juízes de primeira instância profiram decisões contrárias ao entendimento da Corte Regional Eleitoral – quando não contrárias ao próprio Tribunal Superior Eleitoral, incluindo entendimentos já sumulados. E não é só, existem situações, também, nas quais os Juízes – independentemente de instância – alteram entendimentos anteriormente consolidados durante o próprio ano eleitoral, o que fere, por interpretação analógica, o princípio da anualidade eleitoral. Em que pese o artigo 16 da Constituição Federal traga em sua redação apenas o termo “lei”, é de se entender que o mencionado princípio deve ser aplicado também à jurisprudência, por ser considerada fonte de direito que integra o ordenamento jurídico brasileiro.
Não se ignora, ademais, a maior celeridade exigida pela sistemática sui generis do processo eleitoral, que pode ser motivo ensejador da prolação de decisões conflitantes com o entendimento jurisprudencial atual; todavia, mais importante que isso, é a segurança jurídica que deve ser garantida aos jurisdicionados e em homenagem à previsibilidade das regras do jogo. Ora, sabidamente, um dos principais objetivos da uniformização da jurisprudência é conferir maior segurança jurídica ao processo e aos que dele se utilizam. Com a instabilidade da jurisprudência, é evidente que a segurança jurídica resta afetada.
Salienta-se que o cenário de instabilidade jurisprudencial no âmbito do direito eleitoral não se restringe apenas ao E. TRE-PR. Como bem destaca BARCELOS (2020, p. 237), “a jurisdição eleitoral não é um bom exemplo de como respeitar a coerência e a integridade nos provimentos judiciais daí derivados”, sendo que, neste aspecto, nem mesmo o C. TSE logra êxito em observar a coerência jurisprudencial esperada. É que, também nas palavras de BARCELOS, basta lembrar “a recorrente afirmativa no âmbito da Corte, segundo a qual a jurisprudência dela própria variaria de eleição a eleição – ou seja: “para aquela eleição a jurisprudência foi uma, para esta eleição é outra, etc.””.
Assim, tem-se que a ausência de coerência e apreço aos precedentes nas decisões da Justiça Eleitoral contraria a necessidade de uniformização da jurisprudência prevista no CPC, aplicado – vale lembrar – supletiva e subsidiariamente ao processo eleitoral. Se é certo que cabe à Justiça Eleitoral – precipuamente – a garantia da legitimidade do macroprocesso eleitoral e, pois, do regime democrático, não menos certo é o fato de que também cabe à Justiça Eleitoral garantir a estabilidade que deve permear o jogo democrático. A dinamicidade da política não deve influenciar na arbitragem do processo político.